O que dizem as duas primeiras frases deste parágrafo não acrescenta qualquer novidade ao que as Testemunhas de Jeová já estão acostumadas a ler e ouvir. Chamar os dissidentes de “apóstatas”, colocá-los em pé de igualdade com Satanás, o Diabo, e insinuar que tudo o que eles dizem e escrevem não passa de “mentiras” é algo que a liderança da Torre de Vigia já vem fazendo há décadas.
Todavia, como eles sabem muito bem, essa constante difamação não tem conseguido impedir que um número crescente de Testemunhas examine a informação veiculada por esses dissidentes. E, infelizmente para a Torre de Vigia, a maioria, senão todas as Testemunhas que examinaram estas informações, puderam perceber que as coisas não são bem assim como a liderança da organização diz.
É provavelmente por causa disso que o parágrafo não se limita a atacar os que deixaram a organização. A Sentinela procura até mesmo colocar em dúvida a qualidade do cristianismo das Testemunhas que estejam cogitando examinar tais informações. Quando se coloca a questão de ler livros escritos por dissidentes ou examinar seus sites da internet, a resposta que se dá é:
“Se amamos a Deus e à verdade, não fazemos isso.”
O problema é que esse tipo de argumentação faz a Torre de Vigia cair em grande contradição. Recordemos o que diz a página 13 do livro A Verdade Que Conduz à Vida Eterna (uma publicação que foi divulgada em dezenas de milhões de exemplares em muitas línguas)
Ou seja, quando os escritores da Torre de Vigia questionam ensinos de outras religiões, os membros destas são incentivados a examinar a informação e o “amor à verdade” é a razão que se invoca para motivá-los isso. Porém, quando os dissidentes questionam ensinos da Torre de Vigia, as Testemunhas não devem de modo algum examinar a informação em nome desse mesmo “amor à verdade”! É pena que muitas Testemunhas deixem de perceber até que ponto sua liderança acredita em seus próprios padrões... E é mais lamentável ainda esta liderança instilar na comunidade das Testemunhas essa mentalidade tão preconceituosa. Neste ponto, aplica-se o seguinte provérbio:
Quando alguém replica a um assunto antes de ouvi-lo, é tolice da sua parte e uma humilhação. (Pro 18:13)
Mas os líderes não param por aí. O parágrafo também transmite um recado àquelas Testemunhas que porventura se disponham a ‘ouvir’. Uma vez que os líderes sabem que questionar o “amor à verdade” das Testemunhas não é suficiente para impedir que muitas delas examinem a argumentação dos dissidentes, o parágrafo introduz outra idéia: Acusa tais dissidentes de explorarem as Testemunhas com “frases bem formuladas” (aplicando a eles a expressão que aparece em 2 Pedro 2:3, conforme a versão de Byington).
O que eles conseguem com isso é inda pior: mostram uma atitude farisaica perante toda a comunidade das Testemunhas. Como assim?
Ora, não é verdade que para uma pessoa saber se um texto está ‘bem formulado’ ou não, ela deve primeiro lê-lo? Como é que a liderança da Torre de Vigia sabe que os escritos dos dissidentes são ‘bem formulados’? Será que os leram? E, se é assim, como podem proibir as Testemunhas de fazer o mesmo?
Além disso, os líderes da Torre de Vigia parecem pensar que as Testemunhas não compreendem o que lêem nas publicações. Uma boa ‘formulação’, não diz nada quanto à veracidade da informação. O simples fato de um texto estar ‘bem formulado’ não quer dizer necessariamente que a informação contida nele seja verdadeira. A redação pode ser muito boa, com palavras bem escolhidas, mas ainda assim a argumentação pode ser falsa (e as publicações da Torre de Vigia estão repletas de exemplos de textos assim). Por outro lado, o fato de um texto argumentativo estar ‘bem formulado’ não o torna automaticamente falso. De novo, é a consistência da argumentação e o peso da evidência apresentada que determinam isso.
No entanto, é isso o que os líderes querem que as Testemunhas pensem ao lerem este parágrafo da Sentinela. O que a Torre de Vigia está fazendo aqui é fornecer uma “razão” adicional para que mesmo as Testemunhas pesquisadoras rejeitem qualquer matéria proveniente dos dissidentes, por mais verdadeira e coerente que esta seja. Se acontecer de, mesmo contra todas as advertências da organização, uma Testemunha ousar examinar um texto expositivo escrito por um dissidente e não conseguir encontrar qualquer falha na argumentação, a Testemunha ainda pode considerar a exposição falsa. Com que base? Pelo mero fato de o texto estar ‘bem formulado’!
Temos aqui, portanto, mais uma desastrosa tentativa da liderança da Torre de Vigia de esconder informação dos membros da organização. Com esse objetivo, recorre-se a vários métodos lamentáveis, desde lançar as já tradicionais invectivas contra os dissidentes até o ponto de ofender a inteligência das Testemunhas.