Senta Que Lá Vem História

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YukimuraSanada
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Re: Senta Que Lá Vem História

Mensagem não lida por YukimuraSanada »

Seja muito bem vinda! :w3lcome:
Você tem sido muito resiliente!
No fim, todo esforço compensará!
Abraços calorosos... :fr1end:
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DomCobb
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Re: Senta Que Lá Vem História

Mensagem não lida por DomCobb »

Claire escreveu: 25 Mar 2024 14:16 Olá!

Obrigada por me receberem!

Vou contar um pouco da minha história.

Nasci como TJ, meus pais já eram batizados há um tempo, inclusive se conheceram através da organização. Meu pai havia ficado viúvo de seu primeiro casamento no qual teve duas filhas. Elas eram adolescentes quando ele se casou com minha mãe que era recém batizada. As filhas dele não aceitaram muito bem o casamento deles, e logo deram jeito de sair de casa. Minha mãe por sua vez era mãe solteira, já tinha uma filha que à época do casamento deles tinha 7 anos. Quatro anos depois, eu nasci. Minhas duas irmãs por parte de pai já eram casadas com irmãos do salão, inclusive tenho uma sobrinha apenas um ano mais nova que eu.

Morávamos então meus pais, minha irmã por parte de mãe e eu. Fui alfabetizada desde bebê com as histórias bíblicas da torre, falava nomes de personagens bíblicos logo que aprendi a falar, ia ao campo e pregava aos moradores e etc.

Por volta de uns nove anos, quis ser publicadora, os anciãos se reuniram comigo e me aprovaram. Me lembro que cerca de um ou dois anos depois nos mudamos de congregação e quando pedimos nossos cartões de publicadores, fomos informados que eu não tinha cartão. Ou seja, os anciãos só me falaram que eu era publicadora, mas na verdade eu não era. Me senti muito injustiçada e feita de trouxa, minha mãe também ficou muito magoada mas isso não abalou nossa “fé”.

Pouco tempo antes disso, minha irmã, aquela que é filha somente da minha mãe, foi mãe solteira e por isso desassociada com apenas 17 anos de idade. Me lembro que meu pai não permitia que ela se sentasse à mesa conosco nas refeições. Me lembro também que certa vez encontrei uma carta dela de despedida. Nós dormíamos no mesmo quarto e toda vez que ela se levantava à noite eu ficava com medo de que ela fizesse algo contra ela mesma. Sofri muito, mas não entendia bem o que estava acontecendo. Pouco tempo depois meu pai também foi desassociado por se envolver em uma briga. Ambos foram readmitidos depois de uns meses. Minha irmã conheceu um irmão um tempo depois e se casou.

Decidi então aos 12 anos me batizar. Não sabia o que estava fazendo, mas sabia que era a hora pois todos me falavam isso. Eu nunca questionei as crenças das TJ, para mim era só aquilo que existia como verdade. Sempre ouvi que eu tinha um grande privilégio por ter nascido num lar cristão.
Algum tempo depois meus pais se separaram e novamente meu pai foi desassociado. Dessa vez, como ele saiu de casa, nosso contato diminuiu bastante, mas por outro lado foi um alívio pois não aguentava as brigas dos dois em casa. Ele demorou um pouco mais a ser readmitido. Na verdade, ele ficou anos fora. Mas eu nunca deixei de me relacionar com ele por isso.

Aos 16 anos eu me envolvi com um publicador não batizado filho de TJs da minha congregação. Ele tinha 19 anos. Minha mãe não gostou nada disso pois a mãe dele contou para ela que ele tinha transtorno bipolar. Porém para mim, ele parecia alguém normal. Nossas famílias eram até amigas antes disso. Nós participávamos do mesmo grupo de amizades do salão. Me apaixonei e perdi a virgindade com ele. Minha irmã descobriu e me obrigou a contar aos anciãos. Fui para uma comissão judicativa, minha mãe estava tão magoada que não quis nem participar, fui sozinha. Dei detalhes àqueles três homens e eles julgaram que eu estava arrependida e não me desassociaram, fui apenas repreendida. Decidi então me dedicar a fazer o “certo”. Comecei a ir às reuniões sem faltar, campo e etc, afinal eu queria sair da minha repreensão. Antes disso eu era mais desleixada com as "coisas espirituais", meio adolescente rebelde. No meio dessa turbulência terminei o ensino médio e me deparei com o desincentivo da Torre para fazer faculdade. Acabei então me aventurando em um curso tecnólogo de apenas 2 anos pois assim seria menos tempo me “expondo aos perigos do mundo”. Como me arrependo disso! Pois no fim eu nunca consegui emprego nessa área. Eu tinha apenas 17 anos e consegui uma bolsa integral pelo ProUni. Poderia ter cursado um bacharelado e hoje teria mais chances de estar com uma carreira consolidada.

Voltando à minha história, eu e o rapaz decidimos que esperaríamos eu fazer 18 anos para a gente namorar. Porém nós vivamos nos encontrando escondido. Minha mãe nessa época me maltratava muito pela minha escolha de namorar com ele. Minha irmã tomou o lado da minha mãe e eu simplesmente vivia isolada em casa, elas não falavam comigo. Minha mãe não comprava nada para mim, às vezes nem mesmo absorvente. Eu tinha que me virar sozinha. Aprendi até a costurar nessa época para eu mesma fazer minhas roupas. Então eu queria me casar o quanto antes para me ver livre daquilo.

Durante nosso namoro, ele dava vários sinais (red flags), mas eu já tinha passado por tanta coisa que parecia vergonhoso desistir. Era como uma questão de honra levar àquilo até o fim. Então aos meus 22 anos nós finalmente nos casamos e minha mãe e minha irmã não foram ao meu casamento. Nessa época eu já estava mais fria no salão por desânimo e falta de tempo. Eu trabalhava muito para pagar as coisas do casamento e chegava em casa totalmente esgotada. Após o casamento, ambos deixamos de ir de vez. Minha única “família” nesse momento era a família dele e meu pai que já tinha se casado novamente com outra irmã e se mudado de cidade.

Eu estava então isolada da minha família, isolada do salão pois não queria mais ir e, para completar, ele não me deixava ter amizades. Não íamos às reuniões, mas a mentalidade dele ainda era lá de dentro. Eu não podia fazer amizade com “mundanos”, não podia ir a shows, não podia comemorar aniversários etc. Eu estava numa prisão pior que a Torre. Para piorar, por várias vezes ele me obrigava a ir às reuniões para agradar os pais dele. Era uma tortura. Eu vivi um relacionamento abusivo em sentido físico, psicológico e material. Não vou dar muitos detalhes pois ainda tenho gatilhos. Até que, depois de 4 anos casados, finalmente consegui sair disso com ajuda de colegas de trabalho “mundanos”.

Antes do divórcio, ele tentou me sensibilizar pelo lado espiritual se reunindo com os anciãos. Temi ser desassociada pois já havia me envolvido com outra pessoa nesse meio tempo. Meu temor era de perder o contato com meu pai que era praticamente minha única família naquele momento. Não fui desassociada, nem ele foi. Mesmo após relatar a eles as várias atrocidades que ele fez comigo. Hoje vejo que não deveria ter nem ido a essa comissão. Eu nem ia mais nas reuniões nessa época, nem tinha intenção de voltar.

Meu maior arrependimento é de não ter denunciado ele às autoridades. Cheguei a ir à delegacia, mas não consegui registrar a denúncia por vários fatores como tantas vítimas de violência doméstica não conseguem denunciar seus agressores. Porém, tenho certeza de que os ensinamentos “torreanos” também tiveram peso nessa decisão mesmo que no inconsciente.

Voltei então a falar com minha família. Foram 10 anos afastados. Minha mãe ainda é TJ. Minha irmã e meu cunhado não são mais, são inativos como eu. Eles que me procuraram e se surpreenderam quando souberam que eu havia me separado. Minha mãe e irmã me pediram perdão pela forma que me trataram e como me isolaram na época do meu namoro. Hoje as perdoei e não tenho qualquer mágoa. Meu pai, por outro lado, não gosta do fato que não vou mais às reuniões e se afastou um pouco de mim.

Hoje, já tem seis anos que sou inativa e durante todo esse tempo eu simplesmente me desliguei de qualquer coisa relacionada a esse assunto. Mas eu não vivia com medo do Armagedon como muitos que saem vivem porque eu simplesmente desacreditei que isso um dia aconteceria. Porém esse ano, na virada do ano me veio um sentimento de estar fazendo algo errado ao comemorar o réveillon, aquela lembrança dos ensinamentos de lá. E isso começou a me incomodar. Eu ainda acreditava na Bíblia e tinha em mim algumas crenças, por exemplo: que não existe inferno de fogo, que existe Satanás e os demônios, tinha até mesmo certa resistência quanto ao sangue. Me questionava: "e se um dia eu, ou um filho que eu venha a ter, precisar de uma transfusão de sangue, o que vou fazer?" .

Então um dia estava assistindo à série Lei e Ordem e me deparei com um episódio em que há uma seita que prega que o apocalipse está próximo e as pessoas estão escondidas em porões afirmando que a polícia iria persegui-los. Eu achei aquilo tão absurdo. E ao mesmo tempo pensava “conheço essa história”. Isso me deu um click.

Resolvi então pesquisar sobre as Testemunhas de Jeová. No início veio aquela resistência, afinal foram anos e anos ouvindo para não olhar nada que não fosse o site da org. Porém eu já comecei a pensar “se é tão verdade, por que eles têm tanto medo de que as pessoas de dentro vejam coisas de fora?”.

A essa altura eu já sabia de alguns casos de pedofilia e isso me enojava bastante.

Foi então que caí aqui no fórum e me ajudou muito a abrir meus olhos sobre muita coisa. Soube de coisas inimagináveis como Beth-Sarim, a carta para Hitler, 1975 e etc. Já li alguns livros de dissidentes e continuo trocando experiências com ex-tjs. Por mais que eu já estivesse inativa há anos, foi libertador saber de tudo isso, foi como tirar uma venda dos olhos, mas ao mesmo tempo senti uma sensação de estar perdida, de ter vivido a vida inteira em uma grande mentira. Me sinto mal em saber que minha família ainda é presa nesses ensinamentos, que meus pais foram um dia convertidos à essa seita. Minha irmã e cunhado não vão mais, mas eles ainda tratam como sendo “a verdade”. Tenho vontade de tentar abrir os olhos deles, mas ao mesmo tempo medo de afastá-los.

Aquelas minhas irmãs por parte de pai que citei no início, uma delas foi desassociada há muitos anos, eu ainda era criança, desde então meu pai não fala mais com ela. A outra irmã também não fala com ela. Elas têm apenas 1 ano de diferença na idade, cresceram juntas. Isso me traz revolta ao pensar a desunião familiar causada por esses ensinamentos.

Sobre religião e fé, hoje me encontro bem perdida. Não sei se creio mais na Bíblia ou em outra coisa. Não consigo ainda tratar com naturalidade certos eventos como aniversários ou outras festividades. Tenho muita vontade de ter uma festa de aniversário com um bolo. Quem sabe esse ano eu realizo esse desejo!

Bom, espero me encontrar.

Abraços!
Bem vinda, Claire.

É incrível como você foi capaz de enfrentar tantos desafios e seguir em frente. Você parece ter uma força e coragem extraordinárias, especialmente diante das dificuldades que enfrentou.

Espero que consiga encontrar um rumo para a sua fé, me identifico contigo nesse ponto.
A linha entre a realidade e a ilusão é tão fina que muitas vezes mal conseguimos distingui-las.
Multivac42
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Re: Senta Que Lá Vem História

Mensagem não lida por Multivac42 »

Bem-vinda!
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Spaceman
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Re: Senta Que Lá Vem História

Mensagem não lida por Spaceman »

seja bem vinda Claire!

Sinto muito por tudo o que aconteceu com você. A cada dia fora percebo mais como aquele ambiente é disfuncional. Um passo fora e você é tratado como um ser humano de segunda classe.

Fico feliz que você não deixou que esse medo te fizesse voltar para lá, como alguns infelizmente fazem, mas sim está decidida a descobrir mais a "verdade sobre a verdade".

PS: Qual episódio de Lei e Ordem é esse? fiquei curioso.
🎶It's a new dawn / It's a new day / It's a new life for me, ooh / And I'm feeling good🎶
Maguad
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Re: Senta Que Lá Vem História

Mensagem não lida por Maguad »

Nossa que história. E como a Torre (ou a JW) destrói famílias!

Seja bem vinda!
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Claire
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Re: Senta Que Lá Vem História

Mensagem não lida por Claire »

Spaceman escreveu: 25 Mar 2024 19:17 seja bem vinda Claire!

Sinto muito por tudo o que aconteceu com você. A cada dia fora percebo mais como aquele ambiente é disfuncional. Um passo fora e você é tratado como um ser humano de segunda classe.

Fico feliz que você não deixou que esse medo te fizesse voltar para lá, como alguns infelizmente fazem, mas sim está decidida a descobrir mais a "verdade sobre a verdade".

PS: Qual episódio de Lei e Ordem é esse? fiquei curioso.

Obrigada!

Lei e Ordem SVU temporada 06 episódio 07.
"Je suis prest"
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Claire
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Re: Senta Que Lá Vem História

Mensagem não lida por Claire »

Spaceman escreveu: 25 Mar 2024 19:17 seja bem vinda Claire!

Sinto muito por tudo o que aconteceu com você. A cada dia fora percebo mais como aquele ambiente é disfuncional. Um passo fora e você é tratado como um ser humano de segunda classe.

Fico feliz que você não deixou que esse medo te fizesse voltar para lá, como alguns infelizmente fazem, mas sim está decidida a descobrir mais a "verdade sobre a verdade".

PS: Qual episódio de Lei e Ordem é esse? fiquei curioso.

Obrigada!

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Claire
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Registrado em: 20 Mar 2024 09:17

Re: Senta Que Lá Vem História

Mensagem não lida por Claire »

Obrigada a todos pelas boas vindas e pelo acolhimento! Agradeço de coração 🥰
"Je suis prest"
Linotim
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Re: Senta Que Lá Vem História

Mensagem não lida por Linotim »

Bem vinda Claire
Comovente o seu relato.
Parabéns por escolher o nickname Claire. Uma personagem forte e inspiradora.
Livre de autoridades eclesiásticas e do sentimento de culpa.
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