APRESENTAÇÃO - kimmy34

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kimmy34
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APRESENTAÇÃO - kimmy34

Mensagem não lida por kimmy34 »

Olá, sou mais uma TJ que despertou na pandemia. Sou 30+ e nasci na torre, filha de ancião com pais 100% bitolados, de congregação do interior. Parando pra pensar nunca gostei de ser TJ. Quando criança detestava ser a esquisita que ficava sozinha na sala enquanto tinha aniversário rolando na cantina, que tinha que levar o livro de histórias bíblicas na aula de religião e pregar pros coleguinhas, que não podia pintar um desenho de papai noel, etc… ia obrigada ao campo e à reunião e pra mim não fazia sentido estar lá sempre, na minha mente de criança já sabia o que fazer quando chegasse o Armagedom: teriam duas estradas e eu escolheria a estreita, a larga levaria à destruição. O tempo foi passando e fui tomando consciência de que não iria mais passar pro paraíso na aba dos meus pais, sempre tinha alguém perguntando quando eu iria me batizar e citando alguém que se batizou com menos de 10 anos, etc… até que acabei me batizando aos 15 anos. Aos 17 entrei na universidade que era na capital e não contei pra ninguém que eu era TJ. Ia e voltava todo dia pra casa, levava uma vida normal lá, mas nunca tive coragem de fazer nada “errado”. Uma vez eu teria uma visita técnica no sábado cedo e combinei de dormir na casa de uma colega. Na véspera o meu pai não deixou mais eu dormir lá, era meu aniversário e a mãe da colega tinha até feito um bolo pra mim. Inclusive esse foi o único aniversário que bateram os parabéns pra mim, era semana do curso e no final de uma palestra minhas colegas falaram que era meu aniversário. O auditório inteiro bateu parabéns, e apesar de não saber como reagir na hora, foi bem legal. Nessa época eu não queria ir tanto no campo mais, ia uma semana e outra não, e meu pai me disse que só daria dinheiro pra eu ir à universidade se eu saísse no campo. Na verdade ele começou a fazer essa exigência para tudo que nos desse prazer: passear, ir à praia, viajar. Estava tudo combinado e depois ele dizia que a gente não merecia pq não estava pondo o reino em primeiro lugar. Acabei desanimando na universidade, por que não sabia quando iria ou não, e larguei o curso. Um tempo depois a minha mãe ainda teve a cara de pau de me perguntar porque eu tinha resolvido sair da universidade. Depois dessa resolvi que só iria voltar pra universidade quando tivesse meu próprio dinheiro e não precisasse pedir nada a ninguém. Comecei a estudar pra concurso e passei em um que me pagava um salário, trabalhava com uma colega TJ tbm. A gente saia, ia pra construções, etc.. e assim fui me distraindo, tinha a minha comunidade, as minhas amizades lá dentro, mas não era zelosa no campo. As coisas começaram a ficar ruins em casa, meu pai adoeceu, tinha muitas dívidas e outros problemas e internalizei que eu tinha que resolver isso. Consegui passar num concurso que pagava melhor e meu dinheiro todo ia pra casa. Quase surtei nessa época. Com o tempo as coisas foram se organizando e até tínhamos combinado de viajar em família, uma viagem adaptada dada a condição do meu pai. Meu pai faleceu um pouco antes da viagem. Nesse tempo a gente estava se dando melhor, ele me respeitava muito e conseguia conversar mais com ele do que com a minha mãe. Acho que quando a pessoa se vê numa situação vulnerável, tendo que ser cuidada, ela começa a repensar muito as coisas. Me pergunto se ele se arrependeu de ter levado uma vida tão corrida, colocando a torre em primeiro lugar em detrimento de tudo inclusive da própria família. Vez por outra minha mãe passava na cara dele que ele ia alimentar os outros espiritualmente enquanto a família dele passava fome espiritual. Depois que ele morreu me abalei, tentei cumprir todos os alvos e correr atrás para conseguir revê-lo na ressurreição. Não consegui cumprir tudo o que queria e comecei a passar por assédio moral no trabalho. Comecei a fazer tratamento psicológico mas tinha medo de ser desviada, então nunca falava da religião lá. Assim fui levando até a pandemia, e o pânico do fim do mundo veio com tudo. Estoca comida, faz mochila de emergência, “sinais” do Armagedom um atrás do outro, crises e crises de ansiedade, troca troca de medicação, etc… só sobrevivi por causa do bom suporte psicológico e psiquiátrico que tive na pandemia. Me senti muito sozinha e isolada da congregação, os anciãos não se preocupavam em contatar os irmãos, era só reunião e pregação por telefone. Fiquei viciada em portais de notícias procurando novidades sobre vacinas e o fim da pandemia, e acabei esbarrando numa matéria sobre testemunhas de Jeová e abuso sexual. Veio o pensamento de fechar a matéria mas resolvi ler, e os relatos das vítimas me abalaram. Lembrei de uma viagem em que uma irmã tinha falado de casos de irmãs que apanhavam e eram estupradas por seus maridos e a preocupação nunca era com elas e sim com o vitupério do nome de Jeová. Lembrei também de uma conversa com um irmão que disse que um pedófilo não poderia ter cargo de responsabilidade na congregação, e eu como assim? Tem pedófilos aqui? As Tj’s sempre enchiam a boca pra falar quando saíam casos de pedofilia nas igrejas, como se não existisse isso na “religião verdadeira”. Nesse meio tempo acabei me apaixonando por uma colega — depois acabei descobrindo que ela era comprometida e deixei pra lá. Fiquei em conflito, pesquisava como evitar a homossexualidade, até que percebi como é injusto exigir que uma pessoa viva sozinha a vida inteira ou num relacionamento “heterossexual” sendo infeliz. Comecei a ler, ver filmes e séries lgbts. Estava na reunião via zoom apenas de corpo presente, olhando outras coisas no celular. Comecei a seguir nas redes sociais e acompanhar mais personalidades lgbtqia+ até que com o tempo resolvi sair de casa e viver a minha vida. Passei por um inferno pra conseguir sair, minha mãe até hoje não aceita. Infelizmente não consegui mudar pra longe, por causa do trabalho. Minha intenção era me dissociar logo, mas minha psicóloga falou que eu iria sentir muito, que ela já teve paciente ex TJ que foi ostracizado e sofreu demais. No começo eu me conectava no zoom, depois conectava as vezes até que parei de vez. Quando os anciãos souberam que me mudei começaram a me ligar e a mandar msgs, ignoro desde então. Não é cuidado, é controle. Já vi eles perseguindo irmão só porque estava na universidade, jogando tudo nas costas do coitado pra ele falhar e culparem a universidade. Ancião rico que viaja pra fora várias vezes por ano desincentivando quem mal tem carne pra comer em casa a buscar uma vida melhor. Nenhum deles é conhecido por ser amoroso, pelo contrário, na pandemia foi cada um por si. Minha mãe até hoje reclama de ter se sentido abandonada. Achei que quando saísse iria curtir, conhecer o amor da minha vida, viajar por aí, mas me mudei sem calcular direito o custo. Me aperto pra pagar as contas e aluguel sozinha e não me sobra muito pra aproveitar. Voltar pra casa da minha mãe não é uma opção então quero passar em outro concurso que pague melhor. Ao mesmo tempo não tenho conseguido focar nos estudos, porque ainda não resolvi essa parte da minha vida. Receber convites pra assistir reunião, congresso, assembleias, encontrar Tj’s conhecidos gatilha a minha ansiedade. Tinha começado a comemorar aniversários e a desejar feliz natal e etc… no trabalho, aí entrou uma TJ pra trabalhar comigo. Sinto que perdi a liberdade no trabalho, não quero ser delatada e ir pra uma comissão, quero pedir pra sair no meu momento. Todo esse stress começou a me fazer mal fisicamente aí estipulei uma data pra mandar a minha carta. Acabei vindo parar aqui. Quase um ano depois de ter saído de casa, por que pra mim poderia sair, mas virar apostata já era demais. Ainda estou digerindo o fato de ter feito parte de uma seita a vida inteira, me achava esperta demais pra isso. Tenho pena de quem está lá ainda,não vejo diferença entre quem tem uma mochila pronta pra correr pras montanhas e um patriota agarrado a um caminhão. Só não estão pedindo ajuda aos alienígenas ainda porque a torre não mandou. Resolvi baixar aplicativos de namoro e gostei de uma mulher de outro estado, achei o insta dela e fui ver. Ela já tinha viajado a vários países, praticamente uma volta ao mundo, participado de projetos sociais, feito muita coisa legal, e temos a mesma idade. Me senti insuficiente, sem bagagem de vida. Quero resolver essa parte da minha vida e viver, comecei a ir a shows, de artistas que gosto muito, tbm fui ao carnaval. Não sei se farei novamente parte de alguma religião algum dia, não sei quem é Deus. Só sei que a única vida que conheço é essa e quero aproveitá-la. Ontem foi meu aniversário e viajei pra encontrar minha família” mundana”, minha mãe já deixou claro que não vai ter contato comigo se eu acabar desassociada ou me dissociar e isso só por causa do aniversário. Imagine qnd souber que a filha beija mulher kkk. É isso, falei demais e ainda não falei tudo, tô sempre por salvador, Sergipe, tem muita gente da região por aqui? 😊
Eu só não posso mais, me ver assim
Cada vez mais distante de mim
Eu não quero mais, pouco
Quero voar
— Liniker
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Saran
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Re: APRESENTAÇÃO - kimmy34

Mensagem não lida por Saran »

Sua história é fascinante. Parabéns pelas pequenas vitórias 👏

Seja bem vinda
OCUPAR e RECONSTRUIR o Fórum...

E BANIR os:
- Trolls
- POMIs
- Defensores de Pseudagens
- Propagadores de Fake News
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kimmy34
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Re: APRESENTAÇÃO - kimmy34

Mensagem não lida por kimmy34 »

Obrigada Saran 😊 tenho que aprender a comemorar mais essas pequenas vitórias.
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YukimuraSanada
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Re: APRESENTAÇÃO - kimmy34

Mensagem não lida por YukimuraSanada »

Seja muito bem vinda, Kimmy! :w3lcome:
Fiquei 15 anos na Torre e já acho que foi tempo demais... Imagine, você: mais que o dobro disso! Só com a ajuda do "espírito santo" (SQN) para suportar tamanha opressão! :mrgreen:
Também sou LGBTQIAP + e entendo perfeitamente sua luta! Essa também foi, em parte, a razão de minha saída. 🏳️‍🌈
Espero que um dia se veja finalmente livre dos grilhões da Torre!
E possa comemorar muito! m:2
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Bauhaus
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Re: APRESENTAÇÃO - kimmy34

Mensagem não lida por Bauhaus »

Seja bem vinda!
Gostei bastante do teu texto e ri de algumas situações. Me vi em muitas delas.

A adaptação ao mundo externo é gradativa. São normais todas essas sensações. Enquanto as demais pessoas já aprendem a ter o jogo de cintura na adolescência, a gente só se lança agora, qdo sai.

É muito particular a saída da seita para cada pessoa. Como a família vai reagir e tal. Uma coisa é certa, o desprezo e a importunação do povo lá será na mesma medida.

Fique a vontade p trocar ideia com a gente.
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jurado8
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Re: APRESENTAÇÃO - kimmy34

Mensagem não lida por jurado8 »

Poxa que legal sua historia. Li com atencao.

Ler sua historia me lembra que tenho que tratar todas as pessoas com carinho, porque nunca sei a história delas.

Acho que voce demonstra muitas qualidades "cristãs": cuidou do seu pai mesmo quando ele nao merecia. Se a gente nao passou pela Torre, "como assim um pai que nao apoia a filha a se formar"? Voce trabalhava e dava tudo para casa mesmo que seu pai nao tenha dado atencao suficiente.

Eu noto que voce é uma pessoa boa que so queria ter um ambiente tranquilo e acolhedor para viver. Mas nem isso as TJs oferecem.

No seu caso, lendo sua historia, acho que voce "merece" a dissociacao. Como voce é concursada, nao podera sofrer retaliacoes no trabalho por isso. Se afastar a francesa é otimo mas apenas para quem pode se desconectar do mundo TJ assim, como no caso, se mudando de city, tendo pais que respeitam, nao tendo colegas de trabalho que saibam que voce e TJ. Nao é, definitivamente, seu caso.

Eu passei certas situacoes em casa esses dias que me fizeram pensar ate que ponto valeu ter feito todo um plano para poupar meus pais da vergonha de ter um filho dissociado. Precisei de ajuda deles e eles disseram nao.

O que eu pensei foi: de que vale familia? Eu fiz todo um esforco para me afastar a francesa e nao me dissociar, nao por mim, mas por eles (porque eu dou a minima o que os TJs pensam de mim) esperando manter minha familia.

E quando preciso que minha familia seja familia, ou seja, na hora do aperto, ouco um sonoro nao. E ainda fui humilhado por algumas situacoes. Onde quero chegar?

Vale a pena pensar tanto nos outros? Creio que voce, assim como eu, ta se lixando para ser considerada apostata ou nao. Voce pensa nas relacoes familiares. Agora te pergunto...vale a pena?

Voce ja se mantem sozinha. Eles que talvez venham a precisar de voce, nao o contrario. Ate que ponto vale a pena tentar manter as aparencias sabe? Dizem que no leito de morte um dos maiores arrependimentos é este: ter vivido pelos outros.

Bem, espero que se sinta acolhida aqui e nos vemos pelos topicos!!

"Quem come do fruto do conhecimento é sempre expulso de algum paraíso.”
Melanie Klein
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Rapha
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Re: APRESENTAÇÃO - kimmy34

Mensagem não lida por Rapha »

Ahhh que história lindaa... Não escreveu demais não, amamos ler. Sou do interior de Sampa. Vc é daqui tbm?

Apesar de todo o sofrimento psico, percebi muita força e resiliência em suas palavras. Tenho certeza que passará no próximo concurso e quero que venha nos contar quando acontecer pq eu tbm tô loucooo pra fazer um, e isso nos incentiva hahahahah... Sobre a sexualidade, bem vinda! Vivamos nossa naturalidade!!

Amei ler sobre você.

Bjus 😘😘
༒ A mente ignorante é um terreno fértil para a religião semear suas fábulas.
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Rapha
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Re: APRESENTAÇÃO - kimmy34

Mensagem não lida por Rapha »

jurado8 escreveu: 13 Nov 2023 22:27
Ler sua historia me lembra que tenho que tratar todas as pessoas com carinho, porque nunca sei a história delas.
É isso, gente. É isso.

Empatia, sempre.

❤️
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NaniscaDjalo
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Re: APRESENTAÇÃO - kimmy34

Mensagem não lida por NaniscaDjalo »

kimmy!!!!
Amei a referência
hahahahahahaha amei essa série
Bem vinda!!!
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Spaceman
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Re: APRESENTAÇÃO - kimmy34

Mensagem não lida por Spaceman »

Seja bem vinda Kimmy!!

Que bom que você conseguiu se libertar da torre e está buscando ser feliz de verdade!! Sair nunca é fácil, mas sempre precisamos dar os primeiros passos.

O fórum é uma ótima terapia, você vai gostar bastante.

E sobre o seu Nick e foto, também gostei bastante da referência kkkkkkk.
🎶It's a new dawn / It's a new day / It's a new life for me, ooh / And I'm feeling good🎶
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