"Meu" cérebro e Eu.

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Yeats
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"Meu" cérebro e Eu.

Mensagem não lida por Yeats »

Em outro fórum, a propósito da discussão sobre a nudez escrevi que
O modo como tratamos o corpo é algo "curioso", tratamos como se fosse uma coisa da qual somos proprietários e desse modo podemos nos envergonhar ou não dessa coisa enquanto que na medida que o corpo está ligado à nossa identidade, penso, não temos um corpo, quero dizer, por exemplo, eu não tenho um corpo, eu sou este corpo, aqui diante desta tela...
Encontrei hoje este pequeno artigo que mostra outro aspecto interessante agora ligado ao cérebro e achei bom compartilhar aqui.
Extraido do blog: http://danielgontijo.blogspot.com.br/20 ... -e_23.html

A falácia mereológica da Neurociência é uma chatice analítica da Filosofia?
Antes de ontem, ao apresentar um pequeno trabalho intitulado "A falácia mereológica da Neurociência" no XIII Congresso Brasileiro da SBNp, eu fui questionado sobre se os problemas filosóficos, sobretudo os conceituais, são realmente relevantes para a Neurociência. "Afinal", perguntaram-me, "em que sentido isso é importante para nós?" Infelizmente, o descaso do avaliador do meu painel não foi desfeito por eu ter mencionado que os conceitos que utilizamos na ciência influenciam não apenas as perguntas que formulamos, mas também como interpretamos nossos dados e como eles são divulgados pela mídia. E, cá para nós, uma afirmação como "uma parte do cérebro fora do seu controle é quem escolhe por você" está longe de ser inofensiva – e não chega perto de fazer algum sentido.
A falácia mereológica da Neurociência é o erro de se atribuir ao cérebro predicados que só fazem sentido quando atribuídos ao indivíduo inteiro (Bennett & Hacker, 2003). Exemplos desses predicados são "percebe", "sente" e "toma decisões". Nós sabemos o que significa dizer que um indivíduo percebe, sente e toma decisões, mas não há qualquer sentido na afirmação de que um cérebro percebe, sente e toma decisões. Para que haja algum sentido em atribuir esses predicados ao cérebro, é necessário estabelecer critérios neurobiológicos que os justifiquem. Por exemplo, enquanto aprendemos (e depois disso), uma série de modificações sinápticas ocorrem no cérebro. Caso convencionemos que essas modificações correspondem a uma "aprendizagem neural", então teríamos um bom critério – as modificações sinápticas – para dizer inteligivelmente que "o cérebro aprende". Mas, como Bennett e Hacker demonstraram (2003), os neurocientistas não estabelecem qualquer tipo de critério para atribuírem predicados psicológicos ao cérebro.

Mesmo que os neurocientistas estabelecessem esses critérios, haveria um segundo problema a ser encarado, a saber, o de aqueles predicados se tornarem ambíguos. Haveria, por exemplo, o aprender (psicológico) e o "aprender" (neurobiológico), o lembrar (psicológico) e o "lembrar" (neurobiológico) e o planejar (psicológico) e o "planejar" (neurobiológico). Isso geraria muitíssimo mais confusão ao nos comunicarmos do que costuma gerar o uso rotineiro do termo "manga" – que pode ser um fruto, a parte de um vestuário ou um tubo flexível.

Vejamos um exemplo de como o uso indiscriminado dos predicados psicológicos pode gerar confusões. Na reportagem de Salvador Nogueira (2008) intitulada O livre-arbítrio não existe: Você é escravo do seu cérebro, John Dylan-Haynes comenta que, "nos casos em que as pessoas podem tomar decisões em seu próprio ritmo e tempo, o cérebro parece decidir antes da consciência". O que pensar de uma afirmação com essa? Quer dizer que existe uma "decisão pessoal", uma "decisão cerebral" e, de bônus, uma "decisão da consciência"? O que exatamente elas são, qual é a diferença entre elas e como elas se relacionam? E, uma vez que "você é escravo do seu cérebro" (Nogueira, 2008), ou, como a Galileu alardeou no ano passado, uma vez que "VOCÊ NÃO DECIDE", seria o caso de a decisão pessoal ser uma ilusão?

Notem como a confusão conceitual é capaz de suscitar tanto interpretações confusas de experimentos quanto pseudoproblemas (filosóficos e científicos). Ora, os neurocientistas podem até demonstrar que a decisão de uma pessoa numa situação controlada pode ser prevista a partir da atividade de seu cérebro, mas isso não significa que o cérebro é quem decide nem que as pessoas não tomam decisões. Tal como o esclarecimento sobre o que ocorre no cérebro antes de dizermos "Obrigado!" não implicaria em que as pessoas não dizem "Obrigado!", o esclarecimento sobre os processos neurobiológicos que antecedem uma decisão não implica em que as pessoas não tomam decisões. Naturalmente, o esclarecimento conceitual evitaria esse tipo de confusão.

E então, o que fazermos com isso?

Como adiantei, minha tentativa de demonstrar que o rigor conceitual pode beneficiar a Neurociência não foi bem sucedida. O avaliador do meu trabalho comentou que "aquele livro [o Fundamentos filosóficos da Neurociência, a partir do qual baseei meu trabalho] é muito chato", e um colega me disse noutra ocasião que os neurocientistas vão indo muito bem sem esse tipo de preocupação. Por isso, por que não podemos simplesmente deixar as coisas como estão?

Boa parte dos neurocientistas, sobretudo aqueles que integram a Neurociência Cognitiva, assumiu a árdua tarefa de investigar as bases neurobiológicas do comportamento (e, caso queiram distinguir, da cognição). Sua investigação é empírica, e não conceitual, e isso explica por que eles estão mais interessados em causas do que em definições. Não há nada de lamentável nisso. Mas, se alguns filósofos se dedicam a investigar nossos erros conceituais e a tentar nos ajudar a evitá-los – e a explicar por que pode ser bom evitá-los –, por que não darmos ao menos um pouco de atenção ao assunto? Sempre gostei da característica interdisciplinar da Neurociência, mas eu estou começando a sentir que os neurocientistas não curtem uma "crítica interdisciplinar".
Eu, a partir do meu cérebro e sob a boa influência dos meus colegas da Filosofia, decidi não deixar as coisas como estão.

Referências

Bennett, M. R., & Hacker, P. M. S. (2003). Fundamentos filosóficos da Neurociência. Lisboa: Instituto Piaget.
Nogueira, S. (2008). O livre-arbítrio não existe: a ciência comprova: você é escravo do seu cérebro. Disponível em: http://super.abril.com.br/saude/livre-a ... 7694.shtml
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Grantynn
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Re: "Meu" cérebro e Eu.

Mensagem não lida por Grantynn »

Briga antiga entre neurociência e filosofia, atingindo a religião no ensino do livre-arbítrio.

Só isso era suficiente para os peões, os simpatizantes teleguiados, se posicionarem em ambos os lados. Mas não há conclusão nem consenso. Pelo menos não havia quando li sobre o assunto.

Quando li, e faz tempo (porisso posso incorrer em erro), me pareceu coerente a neurociência, depois me pareceu mais um esforço em provar uma teoria, da não existência do livre-arbítrio, e sua substituição pelo termo potencial de prontidão. Mas, nada é impossível nem está definido, a chance da neurociência estar certa é a mesma de incorrer em erro (sob minha ótica).

Veja que os extremismos, o filósofo já apresenta no título como “falácia” da neurociência, e, por sua vez, a superinteressante (aff...) dá como certo o controle do cérebro “Você se interessou pelo tema desta reportagem e, por isso, resolveu dar uma lida. Certo? Errado!”.

Ambos (livre-arbítrio e cérebro no controle) são pressupostos, proposições.

Se me lembro, a experiência original, que levou à teoria, postulação (no momento não sei como chamar) foi a do uso de pessoas diante de um relógio, esperando o ponteiro atingir um número, quando deveriam apertar um botão, e, estas pessoas relataram um impulso, vontade (algo assim) de apertar o botão antes da hora. Assim deduziu-se que quem faz as escolhas é o cérebro, à parte do todo e da escolha consciente.

Espiritualistas, querendo colocar a neurociência e xeque, já anunciavam que se comprovado essa “antecipação à ação” explicava-se com o espírito induzindo a ação.

Abre um leque gigantesco nos debates e nas teorias e acepções.

O assunto é bem polêmico, quem enveredar e ler, certamente vai gostar.
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Yeats
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Re: "Meu" cérebro e Eu.

Mensagem não lida por Yeats »

Podes crer mano, é bastante interessante.
Se compreendi corretamente a questão a problemática está no modo como a ciência em alguns casos expressa suas conclusões, no caso em questão muitas das vezes dá a entender o cérebro como se fosse um ente à parte, quero dizer, como se houvesse dois entes um que controla e outro que é controlado enquanto que, penso, na realidade há um ente apenas. Não há em mim um ente (o cérebro) me controlando, esse cérebro, como no exemplo que destes, que tem "um impulso, vontade [...] de apertar o botão antes da hora", não é distinto de mim, mas sou eu enquanto organismo, daí, me parece, não ter sentido falar de um cérebro que decide antes. Bom em todo caso há necessidade de avanço nas pesquisa nesse sentido e, penso, um cuidado maior com os conceitos...
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Grantynn
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Re: "Meu" cérebro e Eu.

Mensagem não lida por Grantynn »

É isso mesmo, a teoria propõe que o cérebro decide antes de você decidir, antes de se ter consciência do evento. Pena eu não conseguir resgatar as fontes que li, mas se fizer uma busca vai encontrar com certeza.

Os neurocientistas apresentam argumentos fortes, e tem que ser assim, pois, como em qualquer tese, estão envolvidos financiamentos de pesquisa, etc.

Veja como a coisa fica cômica, como pode facilmente virar uma torre de babel: a neurociência afirmando que não existe livre arbítrio, que as decisões são tomadas antes de se expressar a vontade, até a vontade pode ser fruto de ação antecipada do cérebro; os espiritualistas dizendo que o espírito é quem decide e se antecipa à ação do indivíduo, podendo ser um espírito bom, mau, vai da interpretação de cada um; aí vem o religioso, quem sabe na figura da própria torre, e mostra o texto de Jeremias 10:23 “não é do homem o caminhar os seus passos...”, outra versão “Eu sei, Senhor, que não está nas mãos do homem o seu futuro; não compete ao homem dirigir os seus passos ...”.
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