Levi Strauss - Antropologia Estrutural II

Filosofia, Sociologia, Antropologia, Psicologia...Como as Ciências Humanas podem ajudar a compreender o comportamento do ser humano frente ao transcendente, ao sagrado?
Papillon
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Levi Strauss - Antropologia Estrutural II

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IX. O feiticeiro e sua magia
do livro de Levi Strauss, Antropologia Estrutural II pág. 153, editora UBU.

Desde os trabalhos de Cannon (1942), percebem-se com mais clareza os mecanismos psicos-sociológicos subjacentes aos casos de morte por conjuração ou feitiço [DESASSOCIAÇÃO], atestados em várias regiões do mundo: um indivíduo consciente de que é objeto de um malefício [PECADO] fica profundamente convencido [DOUTRINAÇÃO], pelas tradições mais solenes de seu grupo [COMISSÃO JUDICATIVA], de que está condenado [DESASSOCIADO], e parentes e amigos compartilham a certeza [ANÚNCIO]. A partir de então, a comunidade se retrai, todos se afastam do maldito [OSTRACISMO] e se comportam com ele como se, além de já estar morto [MORTE SOCIAL], representasse uma fonte de perigo [LEPROSO/APÓSTATA] para todos os que o cercam. Em toda ocasião e em cada um de seus gestos, o corpo social sugere a morte à pobre vítima [PASSAM LONGE/NÃO OLHAM NOS OLHOS], que não tenta escapar do que considera ser seu inelutável destino [SENTIMENTO DE CULPA]. E logo são celebrados para ela os ritos sagrados que a conduzirão ao reino das trevas [NÃO ATENDER TELEFONEMAS, NÃO CONVERSAR]. Brutalmente alijado, de saída, de seus laços familiares e sociais [MORTE SOCIAL E FAMILIAR], e excluído de todas as funções e atividades por intermédio das quais o indivíduo tomava consciência de si mesmo [CRIADO NA ORGANIZAÇÃO AGORA SOZINHO SEM REFERÊNCIAS], e enfrentando em seguida as mesmas forças imperiosas [SENTIMENTO DE CULPA], novamente conjuradas com o único propósito de bani-lo do reino dos vivos, o enfeitiçado cede à força combinada do terror que sente e da retirada súbita e total dos múltiplos sistemas de referência fornecidos pela conivência do grupo [CRIADO NA ORGANIZAÇÃO AGORA SOZINHO SEM REFERÊNCIAS], e, finalmente, à sua inversão definitiva quando, de vivo e sujeito de direitos e de obrigações, passa a ser proclamado morto, objeto de temor, de ritos e de proibições. A integridade física não resiste à dissolução da personalidade social. [CRISES DE ANSIEDADE, TRISTEZA, DEPRESSÃO, PENSAMENTOS SUICIDAS]

Como esses fenômenos complexos se expressam no plano fisiológico?
Cannon mostrou que o medo, assim como a raiva, é acompanhado por uma atividade particularmente intensa do sistema nervoso simpático. Essa atividade é, normalmente, benéfica, ao acarretar modificações orgânicas que permitem que o indivíduo se adapte a situações novas. Mas, se o indivíduo não dispuser de nenhuma resposta instintiva ou adquirida para uma situação extraordinária, ou que assim lhe parece, a atividade do simpático se intensifica e se desorganiza,
podendo causar, às vezes em questão de horas, uma diminuição do volume sanguíneo e uma queda concomitante de pressão, que resulta em estragos irrecuperáveis nos órgãos envolvidos na circulação. A recusa de bebida e comida, que é frequente em pacientes tomados por intensa angústia, precipita essa evolução: a desidratação age como estimulante do simpático e a diminuição de volume do sangue é aumentada pela crescente permeabilidade dos vasos capilares. Essas hipóteses foram confirmadas pelo estudo de vários casos de traumatismo decorrente de bombardeios, de envolvimento em batalhas ou até mesmo de intervenções cirúrgicas: sobrevém a morte, sem que a autópsia possa determinar lesão alguma.

Portanto, não há por que duvidar da eficácia de certas práticas mágicas. Porém, ao mesmo tempo, percebe-se que a eficácia da magia implica a crença na magia, que se apresenta sob três aspectos complementares: primeiro, a crença do feiticeiro na eficácia de suas técnicas [A TORRE DE VIGIA ACREDITA NO QUE PREGA]; depois, a do doente de que ele trata ou da vítima que ele persegue [O MEMBRO ACREDITA QUE TUDO ALI É VERDADE], no poder do próprio feiticeiro; e, por fim, a confiança e as exigências da opinião coletiva [SITE COM INFORMAÇÕES PARA OS DE DENTRO E PARA OS DE FORA], que formam continuamente uma espécie de campo de gravitação no interior do qual se situam as relações entre o feiticeiro e aqueles que ele enfeitiça.[65] Evidentemente, nenhuma das três partes envolvidas concebe com clareza a atividade do simpático ou as perturbações que Cannon chamou de homeostáticas. Quando o feiticeiro simula extrair por sucção um objeto patológico do corpo do doente, cuja presença explicaria a doença, apresentando um pedregulho que tinha escondido na boca, como se justifica esse procedimento a seu ver? Como um inocente acusado de feitiçaria pode se desculpar, se a imputação é unânime, já que a situação mágica é um fenômeno de consenso? E quanto de credulidade e quanto de espírito crítico intervêm na atitude do grupo em relação àqueles a quem atribui poderes excepcionais, e a quem concede privilégios correspondentes, mas dos quais também exige satisfação à altura? Comecemos por examinar este último ponto.
O que dizem os 143.991 não convidados para a festa?
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Thelemita
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Re: Levi Strauss - Antropologia Estrutural II

Mensagem não lida por Thelemita »

Muitíssimo interessante. Explica muita coisa...
"Faze o que tu queres será tudo da lei. O amor é a lei, amor sob vontade".
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