Será que dá para se pensar mesmo numa escravidão que não desumanize? Segundo estudiosos da antropologia da escravidão, não, independentemente da cultura que escraviza.Gustavo escreveu:Se este fosse o caso, descrições do fim do mundo como uma batalha não constariam do Novo Testamento.
Mas também não constariam regras claras no Velho Testamento, proibindo que escravos fossem explorados de forma desumana, como por exemplo, instituir que o sábado até eles fossem proibidos de trabalhar.
O autor acima, embora trate nesta obra especificamente da escravidão entre os africanos, faz um apanhado de vários teóricos da escravidão, como Claude Meillassoux.A relação entre senhor e escravo é baseada na violência. Desde a origem. Desde o momento em que se desnuda quem vai ser escravo de sua identidade social. Desde o instante em que ele se torna "socialmente morto". Como regra, é arrancado do meio em que nasceu e transferido para outro lugar, longe, com outros costumes, outra fé e outro idioma. Onde, também como regra, é humilhado e sujeito à peia e ao chicote.
O escravo está à mercê do dono, que usa de seu trabalho como quer. A própria sexualidade não lhe pertence por direito, sendo o livre acesso sexual ao escravo, segundo Moses I. Finley, da essência da escravidão. Dela é também o controle pelo senhor da reprodução física do escravo, pois seus filhos não lhe pertencem, embora continuem, em geral, estrangeiros e desenraizados como ele, herdando, em princípio, a sua condição. Assim como se pode definir a domesticação de um animal como o adiamento de seu abate pelo caçador, a escravização de uma mulher ou de um homem traduz-se na troca da morte física por uma vida da qual se retira o controle sobre o próprio corpo.
Fonte: SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Biblioteca Nacional, 2002, página 87.
De mais a mais, o fato de a lei mosaica determinar que o escravo não deveria trabalhar no sábado não deve ser entendido como "folga" concedida pelo senhor ao seu escravo. Primeiro porque escravo não era considerado gente. Segundo porque se o dono estava debaixo da lei mosaica, toda a sua propriedade (incluindo aí mulher, filhos e escravos) também estavam, e deveriam obedecer o descanso sabático. Assim sendo, em vez de ser entendido como um "direito" do escravo, o não trabalhar no sábado era mais uma obrigação a que o mesmo estava sujeito.