"A ilusão da compreensão" por Daniel Kanheman

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jurado8
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"A ilusão da compreensão" por Daniel Kanheman

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Devido minha área de trabalho, estive lendo e estudando o psicólogo Daniel Kahneman, que tem um respeitadíssimo trabalho na área de psicologia do julgamento e tomada de decisão. Ele foi Nobel em economia em 2002.

Basicamente o trabalho de Kanheman busca decifrar a suposta racionalidade humana na hora de tomar decisões de investimento e mostra como a suposta racionalidade está cheio de vieses e heurísticas, criando a famosa teoria da perspectiva, que mesmo que não é da área já deve ter ouvido falar.

Bem, enquanto estudava seus trabalhos, entrevistas e livros com o objetivo puramente profissional, não pude deixar de perceber as semelhanças com meu passado como Testemunha de Jeová, aliás, com as nossas crenças como seres humanos em geral. Vou deixar bem resumido abaixo para apreciação um pequeno resumo.

Segundo o psicólogo, é de nós seres humanos buscarmos uma comunidade e acabamos assumindo crenças que não são nossas. Isso nos tira a capacidade individual e acabamos seguindo a crença de outros. As pessoas tem maior probabilidade de serem influenciadas por mensagens vazias e persuasivas, elas buscam dados que tenham maior probabilidade de se mostrarem compatíveis com as crenças que possuem no momento. Isso é chamado por Kanheman de "a ilusão da compreensão", onde as pessoas apenas repetem o que aprenderam no meio, sem uma análise individual se realmente acreditam naquilo.

Pelo benefício de terem uma comunidade, adotam as mesmas crenças dessa comunidade.

Segundo Kahneman, você constrói a melhor história possível a partir da informação disponibilizada a você, e se for uma boa história você acredita nela. É um paradoxo, pois é mais fácil construir uma história coerente quando você sabe pouca coisa. Essa convicção de que o mundo faz sentido repousa em um alicerce "seguro": a nossa capacidade quase que ilimitada de ignorar a nossa própria ignorância. Aquele que não questiona sua própria sabedoria está limitando seu conhecimento. Aqui Kanheman cita um pouco de Sócrates também.
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“É difícil para nós admitir erros porque isso significa renunciar à segurança que essas suposições simplificadoras nos fornecem”.
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Vou parar por aqui pois considero Kanheman um gênio. Quem quiser saber mais pode começar por ver suas entrevistas no Youtube ou procurando resumos / artigos sobre suas teorias e livros. De fato, a aplicação principal do conhecimento de Kenhaman foi para quebrar paradigmas no mercado financeiro e fazer os analistas tomarem decisões mais assertivas e com menos viés. Depois de seus trabalhos, vários dogmas da bolsa de valores foram quebrados, pois ele provou que as ações se moviam puramente por 'crendices' dos analistas renomados, e a manada seguia junto.

Mas neste fórum estou trazendo este conhecimento pois ele é perfeitamente aplicável em qualquer área da vida, inclusive religiosa. Nós, como ex TJs, sabemos que usamos de viés, dissonancia cognitiva, busca seletiva de informações, etc com o único objetivo de confirmar nossa fé. Em algum momento, essa 'crença de rebanho' tosca que acreditamos por anos perdeu o sentido, talvez por não mais querermos fazer parte do rebanho ou o benefício que o grupo nos fornecia de forma pessoal não mais ser tão interessante, daí nos permitimos questionar se a crença daquele grupo era nossa crença individual também.

O trabalho de Kanheman prova, por A+B, que não adianta apenas apresentar às pessoas que suas crenças estão erradas. Enquanto elas tiverem uma ligação afetiva positiva para com a crença, ou o grupo que sustenta aquelas crenças, a pessoa usará de todo tipo de falácias e argumentos para defender a crença. Porque, inconscientemente, ela quer defender o grupo ou o sentimento que ela mesma tem sob aquele grupo. Ela quer estar inserida naquela meio, e se, para isso, ela precisa crer naquilo, ótimo. Se alguém apresentar argumentos contrários coerentes, ela irá usar todo tipo de falácia para desqualificar o argumento.

E isso pode acontecer conosco em diversas ocasiões, em nossas crenças políticas, sociais, religiosas, filosóficas, etc. Não há nada de errado em pertencer a um grupo porque você tem as mesmas crenças...mas será que não acontece o contrário conosco? Estamos pertencendo a um grupo e daí adotando as crenças dos mesmos com migalhas argumentativas apenas pelo gosto pessoal que temos de pertencer àquele grupo?

Kanheman sempre diz: “Nos concentramos muito no que conhecemos e ignoramos o que desconhecemos, o que nos faz confiar demais em nossas crenças”. Portanto, em suas entrevistas e livros ele mostra que diferenças crenças na sociedade contribuem para o todo e é bom que elas existam. O que devemos fazer é constantemente sair de nossas bolhas, se mostrar realmente aberto a outras formas de pensar. No fim, as nossas verdades individuais não devem se mover por "eu gostaria muito que fosse assim" ou proteger nossas verdades por nos recolhermos à nossa bolha e achar que quem pensa diferente é ignorante. Não. "Por que tal pessoa pensa assim?, deve haver um racional por trás". Mesmo que você discorde, você conhece, entende, respeita e discorda. Não é porque simplesmente se fechou em sua bolha.

Somente esse tipo de sentimento, movido a fatos, e não à ilusões de compreensão, pode trazer a real verdade. Mas todos nós estamos suscetíveis a isso, por mais que tomemos conhecimento de que a mente funciona assim. Eu estou, voce está, Kanheman está. Mas, tendo consciência disso, nossas crenças individuais podem ser muito mais pautadas pela razão e pela verdade, do que somente por sentimentalismo, achismo, crença de rebanho ou querermos que as coisas sejam assim, portanto, achar argumentos para tal.

"Quem come do fruto do conhecimento é sempre expulso de algum paraíso.”
Melanie Klein
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jurado8
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Re: "A ilusão da compreensão" por Daniel Kanheman

Mensagem não lida por jurado8 »

Em exemplo para mais fácil compreensão:

*Será que se eu tivesse sido adotado novo por uma família judia, eu tivesse visto meu pai e minha mae muito amorosos, toda minha familia crente no judaísmo e seus costumes, e eu derivasse alegria, desde jovem naqueles costumes...eu iria acreditar no judaísmo e defende-lo? Talvez.
*Será que eu, como ateu, acredito no ateísmo pois é o que me faz parecer mais intelectual na faculdade, ou porque quero a liberdade de viver sem a ideia de uma deidade superior?
*Será que eu, como cristão, acredito no cristianismo pois isso me traz um conforto pessoal e paz, ou é comodo devido a vivermos em uma nação com maioria cristã?

Veja, não é a crença em si o problema. São os motivos por trás da crença. Se a pessoa não souber defender seu modo de pensar contra os gargalos que sua crença inevitavelmente possui, ou pior, não aceita que o mundo é multifacetado e possui diversas formas de pensar e ver a vida...talvez, TALVEZ, a crença pessoal dessa pessoa (independente de ser X, Y ou Z) está solidificada em falácias. Essa pessoa precisa se questionar, fazer terapia e se descobrir qual é a real expressão de suas crenças.

As TJs são impedidas de fazer isso. Eu e você, não.

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Pepita
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Re: "A ilusão da compreensão" por Daniel Kanheman

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Obrigado por compartilhar conosco esse conteúdo sobre o Kahneman. A gente carrega uma bagagem de ideias e preconceitos que são inerentes à estrutura de pensamento construída pelas nossas vivências e contextos. É difícil dar-se conta disso, ainda mais quando a ideia é reconfortante, consoladora e está intimamente entrelaçada com as nossas esperanças. Abrir não da âncora que alicerça nossa identidade e orienta nossas decisões não é nada simples. É comum ocorrer o autoengano. Mas, quando nossas inclinações se tornam diferentes do esteio ideológico e moral que dá significado a nossa existência, isso provoca um conflito atormentador. Daí, talvez seja a hora de agir, de sair do lugar comum e se permitir experimentar diferentes formas de pensamento, transitar entre diferentes concepções e ideias, tentando compreender cada uma delas sem necessariamente se apegar a nenhuma.
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jurado8
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Re: "A ilusão da compreensão" por Daniel Kanheman

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Pepita escreveu: 01 Mai 2023 20:46 Obrigado por compartilhar conosco esse conteúdo sobre o Kahneman. A gente carrega uma bagagem de ideias e preconceitos que são inerentes à estrutura de pensamento construída pelas nossas vivências e contextos. É difícil dar-se conta disso, ainda mais quando a ideia é reconfortante, consoladora e está intimamente entrelaçada com as nossas esperanças. Abrir não da âncora que alicerça nossa identidade e orienta nossas decisões não é nada simples. É comum ocorrer o autoengano. Mas, quando nossas inclinações se tornam diferentes do esteio ideológico e moral que dá significado a nossa existência, isso provoca um conflito atormentador. Daí, talvez seja a hora de agir, de sair do lugar comum e se permitir experimentar diferentes formas de pensamento, transitar entre diferentes concepções e ideias, tentando compreender cada uma delas sem necessariamente se apegar a nenhuma.
Uau!
d:7

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