Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Depoimentos de ex-testemunhas de Jeová, cartas de dissociação e depoimentos sobre a vida pós Torre de Vigia. Aqui fala mais alto a sinceridade, o sentimento e muitas vezes os relatos nos impressionam pela falta de algo que mais as Testemunhas de Jeová dizem praticar: o amor ao próximo!
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Truman Burbank
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Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Mensagem não lida por Truman Burbank »

Alguns talvez considerem esse tópico desnecessário visto que já existem dezenas de outros tratando do assunto por aqui. Entretanto como o tema pode ter vários desdobramentos e estamos vivendo uma novidade - A Sentinela de Setembro de 2016 e uma corrente de apoio nesse cantinho - achei justo chamar a atençao para meu relato para que esse possa ser um incentivo para quem queira apoiar a causa e compartilhar sua experiência, antiga ou atual. E pode ser pretensão, mas quem sabe com a história mais completa alguns tenham ideia da dimensão que é a questão e como algo tão banal pode se tornar legalista e expor o farisaismo que ainda predomina nas religiões contemporâneas.

Se não servir, ao menos desejo que possamos nos apoiar mutualmente na saga: Barba porque sim! Vai virar nosso AA. Ou mehor, BNTA (Barbudos não tão anônimos)

Antes um aviso: O texto contém algumas passagens distorcidas (mudam os personagens e a situaçao, mas nunca o dialogo e a intensidade) para que não me identifiquem tão facilmente.
Vou apenas enfeitar mas preservarei o máximo o relato como aconteceu e as aspas estarão quase na íntegra, ainda mais que tenho todas as conversas com os anciãos gravadas. É meu dever como jornalista ser objetivo aqui, mas por motivos de dificultar a identificaçao tomei a liberdade de adaptar minha história. Parodiando aquele: Eu invento, mas não aumento.

O RELATO A SEGUIR RETRATATA MEU DEPOIMENTO SOBRE O USO DA BARBA NO SEIO TJ.

DIA 1 - Acabo de descobrir com o SC que meu curso de Pioneiro que termina em alguns dias não tem mais a sessão de perguntas para o instrutor. Mas ele me dá total liberdade para cercar ele nos intervalos e abordar os temas que tenho dúvidas.

O SC é jovem e muito amável, aliás um dos TJs mais amáveis que conheci na minha vida, e me deixa bastante a vontade.

Explico a situaçao que sempre quis usar barba e entendo que na época da ditadura a barba foi adotada no país como um aspecto da contra-cultura, mas não entendo porque um conceito tão antiquado vigora entre a Associçao. Ele me explica que é cultural e que em alguns países irmãos usam barba e cavanhaque. Como ele sabe? Porque já serviu em lingua espanhola e conheceu um irmão que ao mostrar fotos do congresso apresentou uma foto de cavanhaque. "E aqui você era estudante ainda?" "Não. Nessa foto eu já era SM"

MAS PODE?

O SC me explica que sim. Pode em alguns países. Pode inclusive servir na dianteira usando (quem diria) cavanhaque. Mas não é divulgado para não ferir a consciência de irmãos da fraternidade mundial. "Então posso usar? afinal o conceito no país sobre barba mudou tanto." Sim. Mudou, mas "é melhor experar a orientação da filial."

Esse foi o pontapé para cogitar a possibilidade essa história começa há uns 3 anos atrás.

DIA 420

Vou para faculdade com a barba mais aparente. Sem fazer por apenas alguns dias. Duas amigas viram pra mim e dizem: "Nunca mais faça a barba!" Era um elogio e tanto e para mim que raramente recebia algo tão direto, isso foi o mais próximo de um assédio de que eu poderia receber. Eu, como homem, desejei poder concretizar essa vontade.

DIA 637

Estou saindo de uma cirurgia convicto de usar essa desculpa para deixar a barba crescer por algumas semanas. Mas nem consigo ver como fico. O rosto inchado não me dá a dimensão exata.

DIA 680

Como deu para deixar a barba crescer um pouco e meu rosto não está tão inchado, resolvo fazer uma pegadinha. Vou a reunião de bigode. Foi ridículo. Tenho noçao disso, mas o que foi brincadeira na época era apenas um prenúncio do que viria a seguir. Era minhas vontades reprimidas procurando um escape. Como era uma ovelinha liguei para um amigo ancião. "será ousadia demais ir para reunião de bigode?" "Não!"

Mas pode?

Pode. Mas era cômica demais a situação. Meu vô que não fala muito me disse: "se a religião te deixasse ficar de barba seria bem melhor! Você fica muito engraçado de bigode."

Fui a piada das próximas duas reuniões. Mas até então riam comigo. Não de mim.

DIA 730 - Estou bastante chateado com o rumo que as coisas estão tomando dentro da congregação e acabo desanimando bastante. Começo a fazer uma análise da minha vida e do que acontece na religião. Embora eu acredite piamente no Escravo me pergunto porque um boato se torna verdade. Estudei isso tanto na graduação, mas porque ninguem percebe que estamos vivendo como aqueles macacos da analogia?

Quem me contou foi um cara muito sábio que foi engolido pelo sistema. Nunca deixei de pensar nessa analogia e tentar não repetila na vida.

Em resumo 4 macacos são colocados numa jaula. Lá em cima tem um cacho de bananas. Toda vez que um tenta subir e apanhar as frutas os debaixo levam choque. Todos batem no macaco que está subindo. Muitos anos depois a tradiçao de bater em quem tenta pegar continua, mas não já não existem os macacos das antigas e nem mesmo o experimento de dar choque continua. Ai um macaco tenta pegar uma banana e todos os debaixo batem nele. "mas porque estão fazendo isso?" "Não sabemos! Mas as coisas sempre foram assim por aqui."

Agora estou com essa história que não sai da minha cabeça e vejo em varias situaçoes seja na tribuna, no quadro de anuncios, ou no serviço de campo em que a máxima se repete: "Não sei, mas as coisas sempre foram assim por aqui!"

O que me deixou mais indignado foi que uma irmã me viu de óculos escuro na porta do morador e foi falar com o dirigente:

MAS PODE?

"Pode irmã." Aquilo me deixou muito angustiado, afinal eu tenho o bom senso de tirar quando alguém fala comigo, acho falta de educaçao não olhar nos olhos, mas precisava disso? E lembro da esposa do SC que nem conversando com o morador tomava a mesma atitude. Mas pode? Pode! Ela pode.

DIA 856

Estou terminando o segundo livro do Raymond Franz e agora estou satisfeito porque entendo o legalismo. Porém ainda vivo angustiado porque jamais poderei abandonar a religião e ver minha querida avó morrer de desgosto.

A única coisa que me deixa mais calmo e saber que eu agora tenho alguém que me entende...

Nessa leitura descubro que alguém que usa barba nas reuniões não pode nem ser impedido e nem repreendido. Só não pode fazer parte na escola (ufa, não aguento mais essa tortura e seria fantástico ter essa coragem) e até campo a pessoa continua a fazer. (que chato! rs).

Comento com a srta Burbank.

- Seria legal usar barba, só pra ver como fica.
- "E porque não usa? Você não viu que "pode" no livro?"
-Vi! Mas você não ligaria de ser constestada?
-"Não. Esse é um assunto nosso. Ninguém deve ficar fofocando... e se alguém vir falar merda eu digo: vá cuidar da sua vida."

Aí com um apoio desse tudo fica mais fácil. E eu começo a cogitar a possibilidade. Sei que vai ser a nova caça as bruxas, mas ela me garante que é forte. Então isso me dá uma luz...

DIA 900
Estou pronto para abandonar a ideia da barba e para isso vou deixar crescer só duas semaninhas para ver como fico e desistir. (acho que não vou gostar!)

DIA 903

Cruzo com uma irmã no centro da cidade. "Aiai não tem vergonha nessa cara?" A amizade permite que seja mais desbocada e damos muitas risadas, mas me espanta suas ultimas palavras: "Não ouse ir pra reunião assim! É melhor perder a reunião que ir desse jeito para casa de Jeová!"

A história toda começa a me assustar. E por causa disso penso em não ser tão "ousado" e fazer meu novo experimento em casa, quietinho.

DIA 905 - A barba nem tá tão grande assim. Afinal, nem passou uma semana. Por isso eu vou pra reunião. Me escondo abaixando na cadeira para o coordenador não me ver e nem chamar atençao dos outros. Não quero ferir a consciência de ninguém, só testar bem quietinho como seria numa realidade alternativa usar barba.

Claro que já sei que não existe mesmo "estar na verdade", algo que a faculdade me ensinou em partes (objetividade jornalistica) e levou anos para entender que nem no meu mundinho religioso abençoado por Deus eu não era protegido dessa realidade humana: "Verdade? O que é verdade?"

Só agora entendo que Jesus era a verdade e ninguém viria ao pai se não fosse por meio DELE.

Agora tudo está tão claro. Mesmo assim não quero peitar ninguém, não quero incomodar ninguém, só namorar, trabalhar me divertir e fazer o que me dar na telha sem prestar contas a ninguém que não seja Deus.

E por mais que queira que um milagre aconteça e caia essa seita maldita e me livre de vez de não ser quem eu sou... por mais que saiba e deseje isso, não quero dar motivos para uma inquisiçao, investigaçao, ou que alguém venha pegar no meu pé.

Uma das razões mais fortes é que acabei de ser repreendido por uma cesta de coisas (inclusive uma massagem) e qualquer deslizinho vou pra fogueira.

E não posso.

A srta Burbank sofreria junto. Pois, ou me apoaria e iria junto comigo, ou se veria na encruzilhada e me abandonaria...

Então por isso não posso dar razão. Devo pisar na linha das aparências porque se virarem minha vida de cabeça pra baixo estou f*...

Mas é então que meu consciente me trai bonito, e por mais que não queira chamar a atençao ele me sabota e procura uma fuga da vida dupla.

Mal sabia eu. Estar de barba naquele dia foi escrever a primeira letra da minha carta de alforria. Meu consciente sabia disso, e cansado de ser reprimido, achou uma brecha e me abriu a porta da "sabotagem".

CONTINUA
Mr. United Kingdom
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Re: Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Mensagem não lida por Mr. United Kingdom »

Engraçado, as tjs não podem usar barba, mas o fundador das TJs (Charles T. Russel) tinha barba.
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RAPUNZEL ENROLADA
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Re: Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Mensagem não lida por RAPUNZEL ENROLADA »

Oi, Truman!
Que narrativa, hein! Tem estilo! Que tenso!
Tudo, por causa de uma barba! Daí, depreende-se o quanto Esta seita pretende tornar cativos (as) as mentes e o uso do livre arbítrio! Lamentável, no mínimo! :ruim7:
No aguardo da continuação!
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Jareth
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Re: Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Mensagem não lida por Jareth »

Grande Truman!

Cadê o resto, rapaz? Já estou doido para seguir lendo... rs

Narrativa excelente mesmo!

Abs!
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E esperam que eu cante como antes..."
Wisdom
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Re: Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Mensagem não lida por Wisdom »

d:4 d:4 d:4 d:4 d:4

Comigo só foi necessário "duas palavrinhas", primeiro com ancião depois viajante, e agora eles nem falam nada pois sabem que meus argumentos foram extremamente "nocivos" para eles. d:8

Gente eu to adorando, queria que não tivesse Sentinela "permitindo", pois não suporto mais sair no campo nem fazer parte na tribuna, queria tanto ser impedido pela barba, pois faria questão de ver a olho nó uma repreensão sem base bíblia alguma! Seria como andar com uma placa no salão do reino: Acordem pra vida bando de burro! :home3:
"Todos que comem do fruto do Conhecimento é expulso de algum paraíso."
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Truman Burbank
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Re: Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Mensagem não lida por Truman Burbank »

DIA 912 - Eu já não estava mais de barba, mas o ancião coordenador foi até mim e disse: “precisamos falar com você.” Como toda notícia ruim pré-anunciada comecei a cogitar tudo que poderia ser. E quis que, de todos os motivos que poderiam ser tratados, o assunto fosse a barba. Dos males o menor.

Só que achei tão descabido tal alarde (se fosse a barba o assunto), porque eu já estava de cara limpa, fui apenas uma reunião de barba, mesmo assim já acharam necessário me levar novamente para sala B. Mesmo sabendo o quão frágil pode se tornar uma pessoa lá dentro e quão psicologicamente torturante é estar naquela situação.

DIA 915 -
Imagina como é ficar ansioso por dias sem saber sobre o que será a tal reunião. Creio que seja estratégico para não dar ao publicador chances de levantar provas e argumentos para se defender. É, consciente ou não, uma tentativa de pegar a pessoa despreparada. Contudo, essa decisão de só marcar e não revelar o conteúdo da conversa é desumano! Não se faz ninguém ficar aflito tanto tempo sem nem ao menos ter uma prévia do que poderá ser tratado.

Mas enfim o dia chegou. Era uma dia de reunião, só que não consigo mais quantificar se passaram 3 dias ou mais . Porém a ansiedade me incomodava demais. Durante esses dias todos especulando o tema da efetiva reunião na sala B, comecei a levantar todo conteúdo que pudesse me ajudar a me defender contra toda crítica e acusação.

Isso me ajudou a não ficar tão fragilizado e me deu a coragem de tomar uma decisão: Ser adulto o suficiente e assumir a barba (que nessa altura já tinha me dado todas as razões para decidir usar, não importa quem incomodasse). Afinal, se fossem me dar uma carcada por estar um dia só de barba que dessem com propriedade. Se fosse ser levado a cadeira elétrica que fosse por um crime que eu cometi. Ou como meu vô sempre repetia: se é pra pecar, peca direito rapaz!

Nessa altura do campeonato já tinha lido tudo que precisava ler, ou que o tempo de pesquisar me permitiu. Levantei textos bíblicos, dicas dos foristas, li e reli revistas que abordassem direta e indiretamente o assunto, pesquisei casos, encontrei cartas da associação a quem teve culhões de enviar a pergunta diretamente para o big boss.

Não era uma barba definitiva e nem de dar inveja – ainda! Mas já estava começando a incomodar muita gente. Minha mãe que estava ao meu lado durante a reunião, ao ver que eu revirava a Bíblia de todos os lados e anotava vários textos me perguntou o que eu estava fazendo. Quando expliquei que procurava um texto específico, não lembro se mencionei a essência, ela começou a tentar me rebaixar.

Dizer que não me reconhecia, que eu estava estranho, que não preparava mais as reuniões, não prestava mais atenção... e que eu não acatava conselhos, insinuando sobre a barba. Eu não liguei muito por fora, mas por dentro me senti mal pelo olhar de desaprovação que alguém que eu amava tanto me lançava. Aí ela também começou a folhear a Bíblia procurando um texto. Será que ela estava me ajudando a encontrar? Quanta inocência. Ela abriu a tradução em me fez ler: “Sejam obedientes a quem toma a dianteira entre vós e sede submissos...” (HEBREUS 13:17)

CONTINUA
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Lourisvaldo Santana
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Re: Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Mensagem não lida por Lourisvaldo Santana »

Muito bem escrito, Trumman!

Saiu-se um Rubem Braga das crônicas, que certamente deve conhecer.

Nunca me achei elegante de barba, mas trago-a sempre, ainda que pouca.
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Mentalista
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Re: Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Mensagem não lida por Mentalista »

Relato interessante, Truman.
Estar de barba naquele dia foi escrever a primeira letra da minha carta de alforria. Meu consciente sabia disso, e cansado de ser reprimido, achou uma brecha e me abriu a porta da "sabotagem".
Ao que parece, o final do relato promete!
Dizer que não me reconhecia, que eu estava estranho, que não preparava mais as reuniões, não prestava mais atenção...
Quantas vezes já ouvi isso nos últimos meses!
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Sra. Burbank
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Re: Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Mensagem não lida por Sra. Burbank »

500 dias é para os fracos, quero ver é ficar mais de 1000 dias com ela!(ela = toda essa história da barba) :1

Eu falo que ele escreve muito bem! Mas sou suspeita né kkkk

Cada vez que eu vejo ou sofro injustiça por parte da org. por causa de algo não bíblico eu não fico triste, eu fico assim --> :diver3: a:1
Quero mais é ter motivo pra sair dessa prisão!!
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shonin
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Re: Mas pode? - Um relato em apoio aos barbados

Mensagem não lida por shonin »

Sra. Burbank escreveu:500 dias é para os fracos, quero ver é ficar mais de 1000 dias com ela!(ela = toda essa história da barba) :1

Eu falo que ele escreve muito bem! Mas sou suspeita né kkkk

Cada vez que eu vejo ou sofro injustiça por parte da org. por causa de algo não bíblico eu não fico triste, eu fico assim --> :diver3: a:1
Quero mais é ter motivo pra sair dessa prisão!!
Parece que ele trouxe você para o fórum. Se foi isso:
d:4 d:4 d:4
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